27 janeiro 2007

A LOUCURA DO GANHO

ROGÉRIO FERNANDES FERREIRA
Professor jubilado do ISEG/Gestão

Doravante, a empresa apenas tem uma finalidade, não a de ser rentável, o que é indispensável, mas a de aumentar a sua rendibilidade.

Lemos há dias um interessante livro (Viver Mais e Melhor, ed. Presença), pleno de ensinamentos, o que não se estranha dada a categoria e erudição dos seus autores (Joel de Rosnay, Jean-Louis Servan-Schreiber, François de Closets e Dominique Simonnet).

Entre outras reflexões de valia os autores acentuam também que: "Infelizmente, o capitalismo industrial foi substituído por um capitalismo puramente financeiro. Nesta passagem, o trabalhador desapareceu da paisagem. Doravante, a empresa apenas tem uma finalidade, não a de ser rentável, o que é indispensável, mas a de aumentar a sua rendibilidade: 10% todos os anos. O empregado já não é mais do que um meio, entre outros, para atingir este objectivo. Um meio que se adapta, que se desloca, que se elimina em função desta corrida ao lucro. Como poderia o trabalho conservar o mínimo sentido numa economia desumanizada até este ponto? Simultaneamente assistiu-se, em todo o lado, pelo mundo fora, aos patrões a concederem a si próprios vencimentos que raiam o escândalo. Isto provoca o desagrado do pessoal e acaba por desmobilizar até os quadros superiores. Para quê trabalhar então como um animal com a única finalidade de os 'managers' fazerem fortuna ao fim de alguns anos? O capitalismo financeiro desvalorizou de tal maneira o trabalho que fez dele um anti valor, um objecto de rejeição."

Em Portugal algo se passa de semelhante. Grandes grupos empresariais de sectores financeiros disponibilizam, para os membros dos seus conselhos de administração, aliás bastantes membros, remunerações e benesses que, em média anual, se noticia rondarem 3,5 milhões de euros (700 mil contos) por administrador. Custa a acreditar que estas práticas se verifiquem, pois estão em inteira discordância com a situação económica geral. Muitas das nossas empresas de média ou pequena dimensão vivem em extrema dificuldade, fortemente endividadas, em crescente redução de actividade, com perdas de postos de trabalho e prejuízos a acumularem-se.

Assim, pagar-se, na situação actual, remunerações da ordem de grandeza referida, em país tão pobre como o nosso, em que o salário mínimo anda por cerca de 700 vezes menos, revela extrema insensibilidade, parece raiar a insensatez. Ironicamente, anota-se que os referidos administradores estão a ganhar mais do que muitos dos melhores treinadores e jogadores do futebol mundial.

Convenhamos que num país com as altas taxas de desemprego e com as crises estruturais de vasto espectro com que se depara, as referidas remunerações constituem verdadeira afronta à comunidade. Agravam-se desse modo as já numerosas questões estruturais existentes, a excessiva despesa pública e inerentes défices orçamentais, a tributação distorcida, a pobreza de muitos, as poucas actividades produtivas que restam, o alto consumismo e endividamento, etc.

Em meses passados falou-se das reformas milionárias que afamados homens públicos vinham recebendo, em acumulação com outras reformas ou com remunerações de outros seus cargos. Em muitas reformas não ocorreram as inerentes contribuições sociais. Em anos anteriores falou-se de outros escândalos, de apresentação de documentos respeitantes a deslocações não efectuadas ("viagens fantasmas").

Ultimamente, veio a assinalar-se que pessoas com cargos de responsabilidade picavam o ponto indevidamente, ausentando-se de seguida.

Sempre houve e sempre há pelo mundo fora situações chocantes, causadoras de indignação a quem gostaria de um Mundo melhor, com mínimos de equidade e de conduta ética. Nos últimos trinta anos muitos de nós empenharam-se em reivindicar e alcançar proventos, regalias e benesses em excesso. Pede-se-lhes que transijam.

Encontraram-se actuações pouco ortodoxas. Fala-se, de há muito, em matar o "monstro" que, de uns modos ou de outros, quase todos alimentámos.

As pessoas de maior responsabilidade social têm de ser exemplares na urgentíssima repartição dos sacrifícios necessários. Está difícil

in DIÁRIO ECONÓMICO de 18/05/06

24 janeiro 2007

SER GOVERNADO

«Ser governado é, a cada operação, a cada transacção, a cada movimento, ser registado, recenseado, taxado, selado, medido, quotizado, patenteado, encaminhado e corrigido , é, sob pretexto de utilidade pública e em nome do interesse geral, ser exercitado, encarcerado, explorado, monopolizado, convencionado, oprimido, mistificado e roubado; depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa, reprimido, multado, vilipendiado, vexado, perseguido, maltratado, garrotado, preso, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, ferido, e, para cumulo, escarnecido, zombado, ultrajado, desarmado. Eis o Governo, eis a sua justiça, eis a sua moral.»
Proudhon

22 janeiro 2007

7 HORAS DA NOSSA MISÉRIA

António Oliveira, 54 anos,
ia de bicicleta por uma estrada que liga as freguesias de S. Teotónio e Vila Nova de Milfontes. Não seriam ainda 7 da manhã de 8 de Janeiro e foi abalroado por um automóvel que se pôs em fuga, deixando-o abandonado à beira da estrada. Avisado pelas sete e meia, o INEM chamou de imediato uma ambulância que chegou ao SAP de Odemira pelas 8h12.

Apesar do estado de saúde do António ser grave (traumatismo crânio-encefálico e fractura exposta do braço esquerdo), como o alarme só foi dado pelas 7h30, tudo corria com a celeridade possível. Até que começou um verdadeiro calvário.

Como não há Viatura Médica de Emergência e Reabilitação em Odemira, às 9h 34 foi chamada a única existente no distrito, demorando uma hora a percorrer 100 Km. A equipa médica de Beja concluiu que o doente teria de ser rapidamente deslocado para um hospital central, em Lisboa. A VMER nem chegou a ser utilizada e o helicóptero saiu de Odemira às 12h15, chegando a Lisboa hora e meia depois. António deu entrada no serviço de urgência do Hospital de Santa Maria cerca das 14 horas e veio a falecer quatro dias depois.
Depois do facto consumado, começaram as reacções. Vítor Almeida, da Associação Portuguesa de Medicina de Emergência, fez a pergunta óbvia: assim que o INEM teve conhecimento de que se tratava de um traumatismo craniano, porque não enviou imediatamente um helicóptero? E concluiu que o facto de estar longe das áreas metropolitanas não justifica a demora: "Qualquer português tem de ter o mesmo direito a ser salvo, vivendo em Arganil, Odemira ou Lisboa".

O ministro da Saúde, depois de anunciar que "quer saber o que correu mal", ainda não decidiu abrir um inquérito. Por sua vez, o presidente da Câmara de Odemira considerou "impressionante e inconcebível" o tempo de espera para o transporte para Lisboa e frisou a necessidade de uma VMER estacionada em Odemira, um concelho periférico que é simultaneamente o maior do país, um dos que tem um povoamento mais disperso e péssimas acessibilidades à capital, pelo menos até Sines.

Todos estes reparos são justificados. Mas este caso, tratando-se duma evacuação por via aérea, põe em evidência o principal problema dos nossos serviços de saúde e não só: a cultura de organização ou melhor, a falta dela. Desde logo, a falta de articulação entre o INEM e os serviços de saúde: SAP de Odemira e Hospital Distrital de Beja, até à tomada de decisão de transportar o doente de helicóptero para Lisboa, atrasada talvez irremediavelmente. Na ausência duma organização e de competências claramente delimitadas, é difícil também apurar responsabilidades quando algo não corre bem ou podia, eventualmente, ter sido evitado. António não é caso inédito.

Há meses, em Ourique, outra vítima morreu na estrada depois de três horas à espera do helicóptero.

Há mais de uma década uma criança sofreu um aparente ataque epiléptico, perto de Santa Luzia, ainda não eram 9 da manhã. Em plena estrada (não havia telemóveis), o André teve de esperar por uma ambulância que percorreu 20 Km desde Odemira e outros tantos de volta ao Centro de Saúde. Aí chegado, foi decidido enviá-lo para o Hospital de Beja. Depois de horas de espera na urgência, concluíram que teria de seguir para um Hospital central - no caso o Garcia de Orta, em Almada, onde chegou ás 11 da noite. Felizmente, tudo correu bem. Mas as coisas não mudaram assim tanto: em Portugal, no século XXI, com GPS e alertas via satélite, ainda se morre a 50 metros do areal...

Há dias, um amigo francês teve o azar de partir um pé em Almograve, passava das 8 da noite. No Centro de Saúde de Odemira há aparelho de raios X, mas falta radiologista. E lá foi o Jacques para Beja, numa ambulância transportava também uma senhora idosa, utente de um lar e teve de parar várias vezes pelo caminho. No hospital as coisas nem correram mal: pela meia-noite estava pronto e engessado. O pior foi as dores: não lhe deram analgésicos e receita, só no médico de família, que ele não tem em Portugal...
A ambulância já tinha abalado: com alguma sorte, "apanhou boleia" noutra ambulância para Milfontes, ás 3 da manhã. Em desespero, Jacques comentava:
«Misère! En France, ce serait la révolution!».
Passado umas horas, mais calmo, reconhecia: as pessoas são impecáveis, o material até é moderno... mas falta algo a Portugal para ter nível europeu. E é por isso mesmo que muitos ucranianos e búlgaros, residentes na zona, preferem tratar-se nos países de origem: "melhor, mais barato e seguro".

Como dizia o outro: "É a organização, estúpido!".

Alberto Matos - Crónica semanal na Rádio Pax - 16/01/2007

19 janeiro 2007

O ATESTADO MÉDICO

artigo de Ricardo costa
colunista do jornal O TORREJANO

Imagine que é professor, que é dia de exame do 12º ano e vai ter de fazer uma vigilância.
Continue a imaginar. O despertador avariou durante a noite. Ou fica preso no elevador. Ou o seu filho, já à porta do infantário, vomitou o quente, pastoso, húmido e fétido pequeno-almoço em cima da sua imaculada camisa. Teve, portanto, de faltar à vigilância. Tem falta. Ora esta coisa de um professor ficar com faltas injustificadas é complicada, por isso convém justificá-la. A questão agora é: como justificá-la?

Passemos então à parte divertida.
A única justificação para o facto de ficar preso no elevador, do despertador avariar ou de não poder ir para uma sala do exame com a camisa vomitada, ababalhada e malcheirosa, é um atestado médico.

Qualquer pessoa com um pouco de bom senso percebe que quem precisa aqui do atestado médico será o despertador ou o elevador. Mas não. Só uma doença poderá justificar a sua ausência na sala do exame. Vai ao médico. E, a partir deste momento, a situação deixa de ser divertida para passar a ser hilariante.

Chega-se ao médico com o ar mais saudável deste mundo. Enfim, com o sorriso de Jorge Gabriel misturado com o ar rosado do Gabriel Alves e a felicidade do padre Melícias. A partir deste momento mágico, gera-se um fenómeno que só pode ser explicado através de noções básicas da psicopatologia da vida quotidiana. Os mesmos que explicam uma hipnose colectiva em Felgueiras, o holocausto nazi ou o sucesso da TVI.

O professor sabe que não está doente. O médico sabe que ele não está doente. O presidente do executivo sabe que ele não está doente. O director regional sabe que ele não está doente. O Ministério da Educação sabe que ele não está doente. O próprio legislador, que manda a um professor que fica preso no elevador apresentar um atestado médico, também sabe que o professor não está doente.

Ora, num país em que isto acontece, para além do despertador que não toca, do elevador parado e da camisa vomitada, é o próprio país que está doente.

Um país assim, onde a mentira é legislada, só pode mesmo ser um país doente.

Vamos lá ver, a mentira em si não é patológica. Até pode ser racional, útil e eficaz em certas ocasiões. O que já será patológico é o desejo que temos de sermos enganados ou a capacidade para fingirmos que a mentira é verdade.

Lá nesse aspecto somos um bom exemplo do que dizia Goebbels: uma mentira várias vezes repetida transforma-se numa verdade. Já Aristóteles percebia uma coisa muito engraçada: quando vamos ao teatro, vamos com o desejo e uma predisposição para sermos enganados. Mas isso é normal. Sabemos bem, depois de termos chorado baba e ranho a ver o "ET", que este é um boneco e que temos de poupar a baba e o ranho para outras ocasiões.

O problema é que em Portugal a ficção se confunde com a realidade.

Portugal é ele próprio uma produção fictícia, provavelmente mesmo desde D. Afonso Henriques, que Deus me perdoe. A começar pela política. Os nossos políticos são descaradamente mentirosos.Só que ninguém leva a mal porque já estamos habituados. Aliás, em Portugal é-se penalizado por falar verdade, mesmo que seja por boas razões, o que significa que em Portugal não há boas razões para falar verdade.

Se eu, num ambiente formal, disser a uma pessoa que tem uma nódoa na camisa, ela irá levar a mal. Fica ofendida. Se eu digo isso é para a ajudar, para que possa disfarçar a nódoa e não fazer má figura. Mas ela fica zangada comigo só porque eu vi a nódoa, sabe que eu sei que tem a nódoa e porque assumi perante ela que sei que tem a nódoa e que sei que ela sabe que eu sei.

Nós, portugueses, adoramos viver enganados, iludidos e achamos normal que assim seja. Por exemplo, lemos revistas sociais e ficamos derretidos (não falo do cérebro, mas de um plano emocional) ao vermos casais felicíssimos e com vidas de sonho. Pronto, sabemos que aquilo é tudo mentira, que muitos deles divorciam-se ao fim de três meses e que outros vivem um alcoolismo disfarçado. Mas adoramos fingir que aquilo é tudo verdade.

Somos pobres, mas vivemos como os alemães e os franceses. Somos ignorantes e culturalmente miseráveis, mas somos doutores e engenheiros. Fazemos malabarismos e contorcionismos financeiros, mas vamos passar férias a Fortaleza. Fazemos estádios caríssimos para dois ou três jogos em 15 dias, temos auto-estradas modernas e europeias, mas para ver passar, a seu lado, entulho, lixo, mato por limpar, eucaliptos, floresta queimada, barracões com chapas de zinco, casa horríveis e fábricas desactivadas.

Portugal mente compulsivamente. Mente perante si próprio e mente perante o mundo.

Claro que não é um professor que falta à vigilância de um exame por ficar preso no elevador que precisa de um atestado médico. É Portugal que precisa, antes que comece a vomitar sobre si próprio.

UCRÂNIA 2O12

17 janeiro 2007

PARA QUEM SE MANTENHA INCRÉDULO SOBRE OS MOTIVOS DA OCUPAÇÃO DO IRAQUE

75% do lucro do petróleo iraquiano poderá ficar nos EUA e no Reino Unido As empresas dos Estados Unidos e do Reino Unido poderão ficar com até 75% da riqueza petrolífera do Iraque se uma nova lei, que será apresentada em breve ao Parlamento de Bagdad, for aprovada.

Rita Paz com Efe

A informação foi publicada pelo "The Independent" de domingo, que teve acesso a uma minuta da lei, de cuja elaboração o Governo dos Estados Unidos participou directamente.

A lei em questão concede a grandes grupos petrolíferos como a BP, Shell e Exxon contratos de trinta anos de vigência para extrair petróleo iraquiano e permite a primeira operação em grande escala de empresas ocidentais desde que a indústria foi nacionalizada, em 1972.

Executivos e analistas do sector afirmam que esta lei, que permitirá que as companhias dos dois países encaixem até 75% do lucro nos primeiros anos, é a única alternativa para o Iraque reconstruir a sua indústria petrolífera após anos de sanções e guerras.

No entanto, segundo o jornal, a lei prevê acordos para compartilhar a produção, algo pouco comum no Médio Oriente: a indústria petrolífera dos dois maiores produtores mundiais - Arábia Saudita e Irão - está sob controle estatal.

Os críticos da nova legislação censuram a tentativa de obrigar o Iraque, que tem 70% da sua economia dependente do petróleo, a abrir mão da sua soberania de maneira "inaceitável".

Ao mesmo tempo, lembram que, em 2003, quando o primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, justificou a invasão do Iraque no Parlamento, qualificou de "falsas" as acusações de que Washington e Londres queriam apenas ficar com o petróleo iraquiano.

Blair disse que as receitas procedentes dessa fonte deveriam ser destinadas a um fundo administrado pela ONU e que, posteriormente, seriam devolvidas ao Iraque, mas nunca mais se ouviu falar da ideia.

O ex-secretário de Estado americano Colin Powell também afirmou, na época da invasão, que "o petróleo do povo iraquiano pertence ao povo iraquiano, é a sua riqueza e será utilizado em seu benefício".

Segundo os partidários da nova legislação, a cláusula que permite que as companhias ocidentais fiquem com até 75% do lucro do petróleo durará até que os custos iniciais de perfuração tenham sido recuperados.