A DECISÃO DE QUERER OU NÃO TER UM FILHO
Todos os países da União Europeia — salvo a Polónia, Malta, Irlanda e Portugal — têm leis que permitem as mulheres interromper uma gravidez não desejada. Está demonstrado que uma utilização dos métodos anticonceptivos diminui o número de abortos mas não o faz desaparecer, porque nenhum método anticonceptivo é infalível. Segundo estudos realizados nos finais dos anos 90 — no Reino Unido, Itália e Turquia -, as razões que levaram mais mulheres a interromper uma gravidez não desejada nesses países foram a prática incorrecta do coito interrompido, a ruptura de preservativos ou o uso incorrecto da pílula.
Também em Portugal é uma questão de responsabilidade social perceber (e ajudar a perceber) que as razões que levam uma mulher a abortar estão relacionadas com a saúde, com o bem-estar familiar e com a pobreza. Manter a criminalização do aborto é impedir as mulheres com menos recursos de decidir das suas vidas de modo a enfrentar situações de precariedade e discriminação. Para as mulheres com mais recursos é mais fácil passar a fronteira e abortar em Espanha, como aliás fazem as irlandesas em relação ao Reino Unido. Também nestes casos é o próprio país que deve garantir uma resposta médica, a única que pode ser universal e beneficiar de facto as mulheres.
A segurança dos abortos não se limita às intervenções médicas, está também relacionada com a exposição social, como o medo de julgamentos e de penas de prisão, tanto por parte das mulheres como dos profissionais que os realizam. A necessidade de despenalização é também uma questão de responsabilidade médica. Quando o aborto é ilegal a mulher tem poucos ou nenhuns recursos, mesmo que apresente lesões graves, para ser devidamente assistida. Ninguém questiona a capacidade e a ética deontológica da grande maioria dos médicos nos outros países da Europa, o que não os impede de praticar abortos quase diariamente, fazendo-o para garantir um bom serviço de saúde pública, uma prática médica adequada e uma boa qualidade assistencial.
Quando se estão a cumprir oito anos sobre o referendo à lei do aborto, a questão não perdeu actualidade, bem pelo contrário. Face a sucessivos e vergonhosos julgamentos pela alegada prática de aborto, ganha vulto a importância da apreciação e aprovação definitiva de uma nova lei descriminalização do aborto. Os defensores da actual legislação usam de hipocrisia em relação ao aborto e quando o debate desce à rua não hesitam na utilização de cruéis recursos mediáticos (chegam a ser veiculadas imagens com fetos em sofrimento) destinados a manipular e condicionar a opinião pública. Os seus argumentos invocam conceitos de moralidade, mas a batalha em que se empenham é política e não moral. A moralidade é uma questão pessoal e a despenalização nunca obrigaria a abortar, só permitiria fazer escolhas. Cabe às mulheres e a toda a sociedade portuguesa não deixar cair esta questão e continuar a lutar por uma nova lei do aborto mais justa para todas, reclamando modificações urgentes da lei em sede parlamentar.
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