22 fevereiro 2007

FLEXISEGURANÇA

Joaquim Jorge Veiguinha – Jornal Público * Quinta-Feira, 08 de Fevereiro de 2007
Este artigo foi enviado para o último número do ano 2006 do jornal Acção Socialista. Três edições depois não foi publicado. Sendo o autor até há pouco tempo colaborador regular deste jornal, contactou com o seu director. Foi-lhe respondido que não havia espaço para a sua publicação. Respeitando a opinião de Jorge Seguro, o autor reserva-se, porém, o direito a publicá-lo num jornal que lhe conceda o espaço que lhe foi retirado no órgão oficial do Partido Socialista.

Qual será o preço a pagar pelo “bem-estar no desemprego”, o novo sujeito emergente das relações laborais “flexi-securizadas”? O enfraquecimento da figura dos despedimentos sem justa causa.
Quando lhe pediram para se pronunciar sobre a flexibilidade laboral, um histórico dirigente da central sindical norte-americana AFL-CIO respondeu sinteticamente: “Você, está despedido!” Desde então, o conceito expandiu-se e não tem cessado de encontrar novos adeptos no mundo político e empresarial. Considera-se uma espécie de lei natural que os direitos laborais e a estabilidade de emprego sejam subordinados à competição económica e que os trabalhadores compreendam que só adaptando-se a uma ordem em que os despedimentos são facilitados e os contratos colectivos recuam perante os contratos atípicos se criarão novas perspectivas de progresso económico e social. A palavra de ordem é, pois, sacrifiquem-se em prol da economia nacional e dos seus empresários inovadores que competem no mercado internacional, pois, mais cedo ou mais tarde, o maná da prosperidade inundará o país e o mundo e todos viveremos felizes para sempre. Mais recentemente juntou-se à palavra “flexibilidade” o termo “segurança” criando o novo vocábulo “flexi-segurança”. Este oximoro pretende ser a solução encontrada para resolver o complexo problema da quadratura do círculo aplicado ao mundo laboral: como facilitar os despedimentos ou reduzir a “rigidez” das leis laborais e, simultaneamente, assegurar a melhor protecção em caso de desemprego. O novo modelo laboral baseia-se numa espécie de acordo tácito em que os sindicatos devem aceitar uma taxa natural de desemprego como condição de funcionamento do sistema económico em troca da almejada protecção social que será garantida pelo Estado de bem-estar. Mas qual será o preço a pagar pelo “bem-estar no desemprego”? O enfraquecimento da figura dos despedimentos sem justa causa e a proliferação das formas de contratação a termo em detrimento das formas pouco “flexíveis” de contratação colectiva.
Em Portugal, já se lançou o debate público a eventualidade de o novo modelo, nascido na Dinamarca, vir a ser aplicado não de forma mecânica, mas criativa, ou seja, respeitando as condições específicas do país. No entanto, se analisarmos estas condições, e as compararmos com as da Dinamarca, não prevemos grandes resultados da aplicação criativa do desejado modelo. Antes de tudo, o país ocupa as últimas filas da União Europeia no capítulo da precariedade laboral, pois os contratos a prazo, de excepção que eram há uns anos, transformaram-se em regra imperativa, para não falar dos falsos recibos verdes perante os quais os contratos a termo incerto representam uma espécie de paraíso laboral. Depois, o nível de qualificação da força de trabalho nacional é muito inferior ao da sua congénere dinamarquesa, o que dificulta extraordinariamente a sua mobilidade ou “empregabilidade futura”. E last but not least, a qualidade do investimento em Portugal é extraordinariamente baixa, já que mais de 50 por cento da formação bruta de capital fixo é assegurada pelo sector da construção civil e obras públicas, isto é, precisamente por um dos sectores que mais têm contribuído para a reprodução da precariedade laboral.
Outra questão é o actual ordenamento jurídico-laboral constitucionalmente consagrado. Assim, o Artigo 53° da Constituição da República proíbe os despedimentos sem justa causa em nome do direito à segurança no emprego e reconhece às associações sindicais o direito à contratação colectiva, que deve ser garantida nos termos da lei. Perante este ordenamento, ainda menos se percebem quais serão as vantagens que o modelo da flexisegurança traria ao país. Não é verdade que a “segurança no emprego” já está consagrada na Constituição? Se assim é, porquê flexibilizá-la? E sendo os contratos colectivos com as suas regras e procedimentos formais elaborados ainda um pilar das relações laborais em Portugal, não se entende como é que um regime desregulado e simplificado de contratação poderia contribuir para o seu reforço. Pelo que o termo “flexi-segurança” apenas me evoca duas aplicações criativas flexibilizar a insegurança laboral ou securizar a inflexibilidade patronal. Entre uma e outra, ao diabo a escolha.

DIRIGENTE DO SINDICATO DE PROFESSORES DA GRANDE LISBOA E MEMBRO DA CORRENTE SOCIALISTA DA CGTPINTERSINDICAL.
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17 fevereiro 2007

CARTA DUMA PROFESSORA

Carta dirigida ao escritor de "fama audiovisual" com o conhecimento mais vasto e profundo das coisas que existe. Acima dele talvez...Deus !?!?!



No número 1784 do Jornal Expresso, publicado no passado dia 6 de Janeiro, o colunista Miguel Sousa Tavares desferiu um violentíssimo ataque contra os professores (que não queriam fazer horas de substituição), assim como contra os médicos (que passavam atestados falsos) e contra os juízes (que, na relação laboral, pendiam para os mais fracos e até tinham condenado o Ministério da Educação a pagar horas extraordinárias pelas aulas de substituição). Em qualquer país civilizado, quem é atacado tem o direito de se defender. De modo que a professora Dalila Cabrita Mateus, sentindo-se atingida, enviou ao Director do Expresso, uma carta aberta ao jornalista Miguel Sousa Tavares. Contudo, como é timbre dum jornal de referência que aprecia o contraditório, de modo a poder esclarecer devidamente os seus leitores, o Expresso não publicou a carta enviada.


Carta duma professora

«Não é a primeira vez que tenho a oportunidade de ler textos escritos pelo jornalista Miguel Sousa Tavares. Anoto que escreve “sobre tudo e mais alguma coisa”, mesmo quando depois se verifica que conhece mal os problemas que aborda. É o caso, por exemplo, dos temas relacionados com a educação, com as escolas e com os professores. E pensava eu que o código deontológico dos jornalistas obrigava a realizar um trabalho prévio de pesquisa, a ouvir as partes envolvidas, para depois escrever sobre a temática de forma séria e isenta.

O senhor jornalista e a ministra que defende não devem saber o que é ter uma turma de 28 a 30 alunos, estando atenta aos que conversam com os colegas, aos que estão distraídos, ao que se levanta de repente para esmurrar o colega, aos que não passam os apontamentos escritos no quadro, ao que, de repente, resolve sair da sala de aula. Não sabe o trabalho que dá disciplinar uma turma. E o professor tem várias turmas. O senhor jornalista não sabe (embora a ministra deva saber) o enorme trabalho burocrático que recai sobre os professores, a acrescer à planificação e preparação das aulas. O senhor jornalista não sabe (embora devesse saber) o que é ensinar obedecendo a programas baseados em doutrinas pedagógicas pimba, que têm como denominador comum o ódio visceral à História ou à Literatura, às Ciências ou à Filosofia, que substituíram conteúdos por competências, que transformaram a escola em lugar de recreio, tudo certificado por um Ministério em que impera a ignorância e a incompetência. O senhor jornalista falta à verdade quando alude ao flagelo do absentismo dos professores, sem paralelo em nenhum outro sector de actividade, público ou privado». Tal falsidade já foi desmentida com números e por mais de uma vez. Além do que, em nenhuma outra profissão, um simples atraso de 10 minutos significa uma falta imediata. O senhor jornalista não sabe (embora a ministra tenha obrigação de saber) o que é chegar a uma turma que se não conhece, para substituir uma professora que está a ser operada e ouvir os alunos gritarem contra aquela «filha da puta» que, segundo eles, pouco ou nada veio acrescentar ao trabalho pedagógico que vinha a ser desenvolvido. O senhor jornalista não imagina o que é leccionar turmas em que um aluno tem fome, outro é portador de hepatite, um terceiro chega tarde porque a mãe não o acordou (embora receba o rendimento mínimo nacional para pôr o filho a pé e colocá-lo na escola), um quarto é portador de uma arma branca com que está a ameaçar os colegas. Não imagina (ou não quer imaginar) o que é leccionar quando a miséria cresce nas famílias, pois «em casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão». O senhor jornalista não tem sequer a sensibilidade para se por no lugar dos professores e professoras insultados e até agredidos, em resultado de um clima de indisciplina que cresceu com as aulas de substituição, nos moldes em que estão a ser concretizadas. O senhor jornalista não percebe a sensação que se tem em perder tempo, fazendo uma coisa que pedagogicamente não serve para nada, a não ser para fazer crescer a indisciplina, para cansar e dificultar cada vez mais o estudo sério do professor. Quando, no caso da signatária, até podia continuar a ocupar esse tempo com a investigação em áreas e temas que interessam ao país. O senhor jornalista recria um novo conceito de justiça. Não castiga o delinquente, mas faz o justo pagar pelo pecador, neste caso o geral dos professores penalizados pela falta dum colega. Aliás, o senhor jornalista insulta os professores, todos os professores, uma casta corporativa com privilégios que ninguém conhece e que não quer trabalhar, fazendo as tais aulas de substituição. O senhor jornalista insulta, ainda, todos os médicos acusando-os de passar atestados, em regra falsos. E tal como o Ministério, num estranho regresso ao passado, o senhor jornalista passa por cima da lei, neste caso o antigo Estatuto da Carreira Docente, que mandava pagar as aulas de substituição. Aparentemente, o propósito do jornalista Miguel Sousa Tavares não era discutir com seriedade. Era sim (do alto da sua arrogância e prosápia) provocar os professores, os médicos e até os juízes, três castas corporativas. Tudo com o propósito de levar a água ao moinho da política neoliberal do governo, neste caso do Ministério da Educação.

Dalila Cabrita Mateus, professora, doutora em História Moderna e Contemporânea».